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OFFICE MATERIA

OPEN SPACE: OS LIMITES NUMA PERSPECTIVA MACRO DO PRIVADO

21/03/13

“Queimar livros e erigir fortificações é tarefa comum dos príncipes; a única singularidade de Che Huang foi a escala em que actuou. É o que dão a entender alguns sinólogos, mas eu sinto que os factos referidos são algo mais que um exagero ou uma hipérbole de disposições triviais. Cercar uma horta ou um jardim é comum; não, cercar um império.” [i]

Jorge Luís Borges

 

 

Muros

O que “está na frente” é etimologicamente definido pelo conceito da palavra fronteira. Numa perspectiva estritamente histórica, a sua origem nunca esteve relacionada com conceitos legais de determinação territorial nem mesmo na definição de abrangências políticas de organização zonal. Espontaneamente, a evolução da vida social produziu no decorrer da sua história conceitos de determinação de margens no nosso cosmos de relações. Determinaram-se padrões de comunicação que exigiram a definição de metas políticas entre civilizações. Por um lado, ao longo da história, o conceito de fronteira assumiu uma perspectiva expansiva na determinação referencial de lugar, sendo que o sentido de fronteira não era o de fim mas o de começo de estado. Por outro lado, para o conceito de Estado onde a soberania corresponde a um processo absoluto de territorialização, a palavra gerada para definir uma unidade territorial, ou melhor a sua ligação interna, foi a de limite. A soberania do estado determina limites sociais que comumente se traduzem em periferias territoriais. 

 

No passar do tempo, muralhas e fortificações de defesa produziram nos territórios separações determinantes na definição cultural e no seu próprio desenho. Actualmente, no traçado planetário, em todos os continentes sem excepção, existem cada vez mais muros, embora as designações politicamente correctas sejam de “barreira de separação” ou “vedação de segurança”. Segundo Donald Steindberg, “as nações tomaram consciência dos efeitos desestabilizadores de fluxos de refugiados, tráfico de drogas, armas e pessoas que os conflitos podem transmitir através de fronteiras e através de regiões.”[ii]Existem cerca de 30 divisões físicas (na sua maioria fronteiriças) em todos os continentes que segregam raças, nacionalidades, crenças, ideias e disputas territoriais: dos EUA com o México, Irlanda do Norte, Espanha com Marrocos, Arábia Saudita com Iémen e Iraque, Israel e Gaza, Uzbequistão e Turquemenistão, India e Paquistão, Tailândia e Malásia, Brunei, Coreias, China, Rússia, entre outros. A disputa de territórios não tem fim e apresenta-se determinante para alguns no orgulho ou determinação religiosa. A esperança na realização de uma promessa de futuro, muitas vezes está do outro lado da linha, virtualidade consciente e diferenciadora, no entanto cada vez mais incapaz de controlar fluxos ou tentações. A construção física de vedações implantadas em territórios perenes na sua génese e topografia é cada vez mais uma constante. O controlo do espaço jurídico e político obrigou ao longo do tempo a construção de barreiras que permitiram a desenvoltura de estruturas e sociedades que determinaram diferentes ocupações de território, apesar de se confinarem por muros, sendo exemplo o muro de separação da Alemanha até 1989. A uma escala geográfica de macro dimensão é possível perceber o quanto estes limites são condicionadores das realidades urbanas de cada região ou país. Perante uma realidade de unificação e cooperação entre estados de que a Europa é exemplo, na constituição de uma definição de território sem controlos fronteiriços, assistimos por outro lado, a uma época de criação de gigantescas estruturas físicas de definição territorial no resto do planeta. 

 

Érouv    

Segundo a lei Judia, durante o Shabat (sábado), observado a partir de alguns minutos antes do pôr-do-sol na sexta-feira à noite até o aparecimento de três estrelas no céu na noite de sábado, é obrigatório o repouso a consagrar o eterno. O Shabat é um dia festivo em que os judeus são libertados dos trabalhos regulares da vida quotidiana, oferecendo uma oportunidade de contemplar os aspectos espirituais da vida e a despender tempo com a família. A observância do Shabat implica abster-se de uma série de actividades proibidas, como trabalhar ou transportar qualquer tipo de objecto de casa para o exterior. No entanto se nos remetemos ao Torah, um povo ou uma cidade rodeados de um muro com portas são considerados como domínios privados, e consequentemente qualquer pessoa pode transportar objectos da sua casa para a rua e da rua para o interior da habitação. Existe assim uma clara transferência de função espacial entre a casa e a rua. No entanto, são poucas as cidades judias que ostentam muralhas, sendo para a generalidade dos judeus nula qualquer tipo de actividade durante esse período. Contudo existe uma excepção à lei, os Érouv. Os Érouv são estruturas de cordas que definem um muro imaginário em que na maioria dos casos são postes improvisados e interligados entre si num perímetro em torno da região. Quando definido o perímetro, o Érouvconverte o espaço público em espaço privado, permitindo a partir de então o transporte de objectos durante o Shabat. Segundo a Torah, a região, durante o Shabat e dentro do perímetro previamente definido adquire um carácter privado. A casa  a partir de então transborda os seus limites para a rua confrontando o habitante para uma realidade expansionista dos usos domésticos e quotidianos à escala do urbano.

 

Alphaville

O Brasil actualmente enfrenta níveis de criminalidade elevados e neste momento torna-se fundamental o controlo expansionista de bairros ou favelas de população de níveis sociais mais desfavorecidos. O governo estadual do Rio de Janeiro para além do esforço na formação e criação de mais forças policiais está a edificar muros de betão nas periferias das favelas. Estratégia que visa impedir a expansão dos bairros clandestinos para territórios próximos de condomínios de luxo privados. A medida é criticada por se entender que segrega os pobres e consequentemente os esconde do turismo, no entanto, apesar das críticas, continuam a ser edificados. Desde algumas décadas que estratégias similares ocorrem em território brasileiro, no entanto numa lógica inversa de controlo. Nos arredores de São Paulo na década de 70 criou-se o conceito de Alphavilles. Face ao aumento da criminalidade, insegurança no interior das cidades densamente ocupadas, poluição e congestionamento rodoviário, geraram-se condomínios privados de luxo de forma a oferecer aos mais abonados qualidade de vida em segurança e conforto. Este tipo de condomínios são hiper-protegidos por uma organização policial interna com corpos de patrulha e edifícios de segurança internos. As Alphavilles estruturam-se em condomínios (residenciais) circundados por áreas abertas de livre acesso onde se localizam sedes de multinacionais, escolas, serviços e comércio. Em dicotomia com o sossego, pacatez e quietude do interior dos condomínios, as zonas de livre-trânsito apresentam hora de ponta, assaltos e violência urbana. Para muitos urbanistas, Alphaville define-se como um gueto entre muros e segurança privada, que isola e promove uma espécie de apartheid social ao estimular a convivência apenas entre pessoas da mesma classe social. A segurança privada aliada ao arame farpado edifica uma redoma sobre um estado social em que o urbano é constituído de uma cenográfica realidade. A segurança que encontramos no refúgio do lar é transportada para o ambiente de rua, no entanto divergente do urbano circundante. O bairro numa escala de aproximação muta-se na casa e o cenário do aquário eleva-se à perfeição.    

 

 

Open Space 

 

“Humpty Dumpty estava sentado, com as pernas cruzadas a la turca, em cima de um alto muro tão estreito que Alice se perguntava como ele podia manter o equilíbrio…”[iii]

 

A vertigem sobre o muro é perene e no contexto do urbano é no privado que provavelmente se encontra o equilíbrio. A fronteira permeável ao contexto transporta invariavelmente cada vez mais a produção de dinâmicas internas para processo habitacionais exteriores, e vice-versa. A questão urbana na Polis por nós identificada desconstrói-se dos princípios de centralização no lar. Este sentido edifica-se na tipologia cada vez mais ampla em menores perímetros e diluída de funções. As novas interacções relacionais assentes na “tecnopolis”, produzem experiência da velocidade e a transformação do conceito-espaço-tempo na vida quotidiana. Segundo Cornelius van de Vem[iv]  o espaço dá prioridade à unidade espácio-plástica de interior e exterior e à assimilação não hierárquica de todas as formas instrumentais, independentemente da sua escala ou retórica, numa experiência contínua da relação espaço-tempo. Segundo Kenneth Frampton[v] é neste sentido que se constrói a “metáfora corpórea” onde “o corpo reconstrói o mundo através da sua apropriação táctil da realidade”.

Na definição das diferentes escalas existe uma constante necessidade de divisão, fraccionamento e regramento do território. Supõem-se que no privado a questão é mais serena. A definição de limites territoriais é cada vez mais constante quando os mesmos adquirem definição politica, religiosa ou social no caso da segurança. As fracturas exigem-se e pretendem-se eternas. Constata-se que o habitante urbano apolítico encontra no contexto de cidade resposta a necessidades, antes exclusivamente do lar. A cidade complexificou-se e adquiriu a dimensão do particular. O homem urbano adquiriu consciência das suas diferenças e da sua unicidade. Uma realidade do construído que se expande e contrai vive da dimensão do limite como resposta às nossas necessidades. Segundo esta nova realidade pretende-se criar o contraponto entre os desejos de expansão e as necessidades de contracção do homem contemporâneo. O privado, numa crescente minimização da sua dimensão, encontra na tecnologia e na cidade a fuga para os seus limites. Em resposta a esta condição, o seu perímetro privado redefine-se sem fronteiras entre funções. Os espaços exclusivos de repouso são agora também eles de refeições, lazer ou higiene. O Open Space hierarquizou as funções. Os limites encontram-se na definição do conforto térmico ou no controlo lumínico para com o exterior. O privado é perene mas perante o urbano complexificou-se. O Open Space é agora o nosso próximo limite.    



 

Obras Citadas:

[i] Borges, Jorge Luís. Obras Completas, volume 2 – Lisboa, Editorial Teorema, 1998.(2)  Jornal Expresso, Revista Única nº 1931, 31 de Outubro 2009

[ii] Jornal Expresso, Revista Única nº 1931, 31 de Outubro 2009

[iii]Carrol, Lewis.Alice do Outro Lado do Espelho, Lisboa: Edições Relógio DÁgua, 2000

[iv]Frampton, Kenneth. Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in the Nineteenth and Twentieth Century, The MIT Press, Cambridge, Massachusetts, 1995.

[v] Frampton, Kenneth. Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in the Nineteenth and Twentieth Century, The MIT Press, Cambridge, Massachusetts, 1995.

 

Bibliografia:

- Bachelard, Gaston. A poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1998 . 

- Barata, Paulo Martins. Introdução ao estudo da Cultura Tectónica, Kenneth Frampton 1995.  

- Goethe, Johann Wofgang von. Werther. Trad. João Teodoro Monteiro. Lisboa: Guimarães Editores; 1993.

- Imagem de Rodney Smith, www.rodneysmith.com

- Machado, Lia. Limites, Fronteiras e Redes. T.M.Strohaecker e outros. Fronteiras e Espaço Global. Porto Alegre, p. 41-49, 1998

- Martins Barata, Paulo. Álvaro Siza 1954-1976. Lisboa: Blau, 1997.

- Schuiten e Peeters. La Frontiere Invisible, Tome 1.Brusels,Casterman, 2002 .

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