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OFFICE MATERIA

VERDADE OU CONSEQUÊNCIA

18/07/13

Papel da imagem enquanto veiculo na transmissão de realidades com potencial estético

 

 

 


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Conta-se que Ezra Stoller, durante uma entrevista, quando questionado acerca  da qualidade das suas fotografias sobre o  edifício Seagram de Mies van der Rohe, terá respondido sem hesitação que a «fotografia não é realidade».   

O interesse desta resposta passa pelo entendimento do papel da imagem enquanto veiculo na transmissão de realidades com potencial estético. Se Stoller era admirado pela maioria dos interveniente do movimento moderno, não seria apenas pela sua técnica mas sobretudo pelo reconhecimento da natureza de cada edifício no seu comportamento com a envolvente, luz exterior e seus habitantes. As suas fotografias ainda hoje são  admiradas por revelarem uma interpretação de carácter do edifício até então desconhecido, demasiadas vezes ignoradas pelos próprios autores na concepção das obras fotografadas.  A revelação de novas perspectivas  ou de naturezas obscuras permitem à fotografia adquirir cada vez mais importância na expressão da realidade arquitectónica.  A dificuldade  de aproximar à bidimensionalidade a experiência do sentir, cheirar, ver e estar, baliza-se no limiar onde a fotografia poderá adquirir diferentes caminhos nesta transposição: uma atitude representativa, expressionista ou relatora. A esta ideia sobrepõe-se a de Stoller, que entende que «não podemos ter boas fotografias de arquitectura sem boa arquitectura» .

 

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A riqueza da representação fotográfica tem por base uma intrínseca capacidade desta acrescentar potencial simbólico e enriquecer o vocabulário visual de um futuro visitante. A representação da expressão revela-se através da técnica e do olhar do fotógrafo. No entanto, a sua eficiência não poderá mitigar uma verdade que se encerra em alvenarias, vãos, ladrilhos e no talento dos seus executantes e projectistas. O mau é indisfarçável à objectiva. Mas a dúvida sobre a verdade representativa da imagem já pouco importa, procuramos hoje algo para além da realidade, onde as ínfimas possibilidades de manipulação tecnológica permitem aproximar com elevado grau de rigor níveis de perfeição que a realidade não comprova. Neste contexto, com facilidade se enquadram as visões ficcionadas do trabalho de Edgar Martins para o New York Times, funcionando como último recurso para poder atingir objectivos conceptuais que o edificado não revela ou encontrar a expressão que não fora inicialmente imaginada. A ficção desenha mundos para lá do olhar expectante em contextos contemporâneos de vazios e não-lugares, onde Edgar Martins é pescador de águas profundas.

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Quantas vezes nos deparamos com igual qualidade entre os desenhos de projecto e o produto final? São exemplo os casos iconográficos: pavilhão de Barcelona de Mies van der Rohe ou a Igreja de Rouchamp de Le Corbusier. Por outro lado, é extraordinário o papel que a fotografia adquire na capacidade de potenciar aquilo que os desenhos da realidade construída não transmitem. Fácil será imaginar a dificuldade que Frank Ghery teria em poder expressar a quem desconhecesse o edifício a dimensão e natureza do museu Guggenheim em Bilbau apenas por desenhos ou esquissos. Neste caso particular, é paradigmático a capacidade de alavancagem que a fotografia possibilita na divulgação de expressão e arrebatadoras vivências idílicas. Talvez conheçamos melhor a imagem do museu Guggenheim do que a obra em si. Mesmo os que ousaram entrar no museu de Bilbau, quando confrontados numa suposta representação da sua configuração, com certeza haverá uma imposição das suas memórias fotográficas face às memórias experienciadas in loco.

Durante décadas o desenho foi tido como fundamental para pensar a arquitectura ajustando-se como atalho entre a ideia e o construído, assumindo o desenho (mais reconhecidamente com Álvaro Siza Vieira) um lugar imprescindível na afirmação de autoria. Entre gerações reconheceram-se lógicas conceptuais, princípios e regras deterministas de estéticas. Foi assim que se definiram correntes e metodologias. Reconhecidamente, a nível nacional, a escola do Porto esbateu-se no percurso académico e científico do estudo arquitectónico português. As referências existem, mas o bastião da resistência esfumou-se entre as novas tecnologias e velocidade de informação. O academismo aprisionou-se na história e não soube estender a vela ao sabor dos ventos. O advento das novas tecnologias digitais permitiu uma profunda revolução no entendimento da “verdade” da realidade. 

Em sobreposição ao desenho, a incontinência do disparo digital que proporcionou uma capacidade quantitativa, carregando as imagens com uma superficialidade que responde proporcionalmente aos fenómenos de mediatização tomados por modas e tendências. Os factos antes insofismáveis, que perante o olhar do fotógrafo eram captados para suportes de posterior reprodução, são hoje manipulados através de processos de “limpeza” ocultando ou acrescentando elementos observados. Projectando o fundamental da analise critica da obra construída, “no depois”. A coerência arrefeceu nos flashes de uma vontade descomprometida. No esquecimento reside o papel  do mérito fotográfico, onde está recolhido o olhar do fotógrafo. A sua capacidade comunicativa será fundamental para o verdadeiro entendimento da realidade objectivada. Quantas vezes deparámos com diferenças abismais de escala entre a realidade presenciada e as memorias que as imagens foram incapazes de sugerir? Quantos de nós aquando da visita do Tempietto de São Pedro em Roma, fomos surpreendidos por uma escala outrora manipulada por fotografias despidas de presença humana? Espaços que pela presença humana jamais terão os silêncios de relatos de imagens a preto e branco, ou o eco do Panteão de Roma. A fotografia de arquitectura sem um enquadramento artístico ou jornalístico permite-lhe navegar em terra de ninguém, conduzindo o fotógrafo à manipulação de uma verdade por nós desconhecida e provavelmente nunca comprovada. A leitura fotográfica acrítica, em negação da imagem propagandista onde o reconhecimento autoral é assumido, não passa de um conceito estético enquanto meta inacessível. 

O star system da arquitectura não abdica da “conclusão” da sua obra sem o olhar do “autor” fotógrafo, impondo este uma marca própria, formatando ou ficcionando a obra ao seu jeito.  Por outro lado, essa mesma personalização tenderá, perversamente, a homogeneizar também o modo como vemos o “estilo” das diferentes arquitecturas. A vontade de ser reconhecido entre muitos faz da encomenda da reportagem fotográfica de arquitectura como o mais eficaz veiculo de difusão cultural e massificação mediática entre profissionais, estudantes e demais interessados no tema. Entre arquitectos, a qualidade final da obra é esbatida no “traço” do disparo do fotógrafo. O papel e influência que alguns fotógrafos desenham entre editores e revistas da especialidade delimitam um star system em que a qualidade da obra provavelmente não corresponde aos pergaminhos que o enquadramento fotográfico e editorial potenciam. Como diria Pedro Bandeira « boas ou más arquitecturas partilham o mesmo glamour da obra elevada à sua condição mediática», definindo este período de falácia mediática como espaço temporal de fama efémera. Perante nefasta realidade, o monopólio da mediatização tem de ser interpretado e clarificado no escrutínio da qualidade. A dúvida subsiste!

 

 

 

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(1)   Ezra Stolle, Terminal do Aeroporto JFK ,da autoria de Eero Saarinen, Nova Iorque, 1962, Impressão em papel gelatina e prata © Ezra Stoller, Cortesia galeria Yossi Milo, Nova Iorque 

(2)   Ezra Stoller: Modern Architecture Photographs by Ezra Stoller. New York: Harry N. Abrams, Inc. Publishers, 1990, p. 6 

(3)   Martins, Edgar, A Metaphysical Survey of British Dwellings series, The Photographers' Gallery, Londres 2010 

(4)   Fernando Guerra, Capela em Netos, Portugal, da autoria de Pedro Mauricio Borges, 2010.

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